segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

LICÃO DE VIDA

       O João era um menino humilde. Vivia com os pais e o irmão, numa aldeia na encosta da Serra do Marão. Viviam da pastorícia, não sendo um meio de vida abastado, iam arrecadando o pão de cada dia. Terminadas as férias do Natal, chegava o dia de voltar à escola que se localizada a cinco quilómetros e diariamente, fazia a pé. Este regresso não seria igual, por ter recebido dos pais, a desejada bicicleta, de presente de Natal. O deslumbre do olhar, se perdia no horizonte. Porém, isso não compensava o esforço que consumia, ao percorrer essa distância, que tanto o afligia. De mochila às costas, e sacola no ombro, onde uma merenda levava. Lá ia o João, em cima da bicicleta. Mal se continha de tanta alegria, e caminho fora assobiava. Enquanto a bicicleta rolava… rolava...
A paisagem estava gelada.
 As nuvens, mesmo ali ao lado corriam.
 O fumo das lareiras, com a neblina, se confundiam.
 O calor das chamas saltitantes por elas criada,
 roubavam ao frio a graça de firmar a geada.
 Caminho empedrado, e pelos anos polido.
 Murado de xisto e ladeado de castanheiros.
Em redor destes, emergiam azevinhos verdes,
e bagas coloridas, de vermelho garrido.
 Que escondiam a nudez dos seus troncos.
Pela folhagem caduca que haviam perdido.
Serra a baixo, do verde, surgiam salpicos,
 plantados, no alto das colinas,
de casas grandes e pequeninas.
 Umas de telhados escuros.
E outras de paredes branquinhas.
 Os farrapos de neve fininha,
suspensos nas árvores decoravam,
 cenários pintados pela natureza.
 Que o Dezembro lhe emprestava.
 A imensidão de tanta beleza
O gado seguia-o. Até que rumo aos pastos encontrava. À tardinha quando o sol descia, era vê-lo de regresso a casa, onde pernoitava, até novo dia. Era sábado. De manhã cedinho partiu na bicicleta com grande euforia. Desbravando recantos, que não conhecia. Vivendo, a liberdade do espaço e no tempo, que esta lhe concedia. Até que ouviu algo estranho, vindo de trás de uma sebe, e correu a ver o que se passava. Era um cão, com uma corda comprida presa no pescoço que, supostamente, teria fugido do cativeiro onde se encontrava. Este ter-se-ia enrolado num arvoredo (Tudo se repetia, o animal estava dependente da prisão que a liberdade lhe tirava), Tremia; enroscava-se; deitava-se; levantava-se; e latia. Viu que era uma cadela, por ter em sua companhia, um filhote recém- nascido, que esta carinhosamente lambia, como se lhe desse alento, e segredasse, estar ali na sua frente a salvação, que até então lhes tinha fugido. Perante tal visão, olhou em seu redor, em busca de auxílio. Não havia ninguém...Sentiu um arrepio! Era arriscado, podia ataca-lo! E se não o fizesse?! Ambos iam sucumbir de fome e de frio. Esta soltou um chiar ofegante, e olhou-o, com olhar lânguido. Aqui o João caiu por terra com os olhos alagados de água e o coração partido. Desprendeu a cadela! Esta pegou o filhote com a boca, fugiu entre os arbustos como se fosse louca. Foi então que ele respirou de alívio! Chegou a casa e contou o sucedido, com grande emoção. O pai disse-lhe que era um valente e que se sentia muito orgulhoso. A mãe disse-lhe que tinha praticado uma boa acção. As palavras proferidas pelos pais foram para ele uma afirmação. Este sentiu-se como se tivesse crescido. Ou melhor! Como se mil presentes tivesse recebido. Decorridos alguns meses e num dia de Verão foi dar uma volta perto do rio Na berma do caminho num deslize de terra a bicicleta caiu, e ambos foram sacudidos para o seu leito A corrente era forte e por ela foi arrastado. Quis Deus que se tenha cruzado com mato, na sua margem que o impediu de morrer afogado. Agarrou-se a tudo o que o podia, para se por a salvo. Encontrou uma  Silveira que lhe deixaram o corpo rasgado. Olhou o seu corpo ensanguentado e lembrou-se de Jesus Cristo. Rezou uma oração e pediu ajuda às suas Chagas com grande devoção. O tempo urgia, e a noite estava eminente. Teve medo! Apenas se ouvia a corrente da água! Estava à mercê dos animais ferozes que na noite vagueavam com fome e sede. Os olhos queriam fechar-se. Mas não podia adormecer! Tinha de manter a fé! Teve um pressentimento, que algo de bom ia acontecer. De repente, sentiu uma presença e ouviu chiar. O que escutou não era estranho aos seus ouvidos. Era a cadela que à meses atrás, para sua sorte, tinha salvado da morte! Esta puxou-o pela roupa, e num grito de dor perdeu os sentidos. Depois de tratado, contou aos pais, não estar recordado, por na sua memória se ter apagado, quem mais o ajudou. Tudo veio a culminar num mistério! Todos murmuraram, que foi a cadela e a mão de Deus que o salvou! Mais tarde viu a cadela, abraçou-se a ela e chorou de gratidão. - Companheira, estamos empatados! – Disse o João – A vida dá-nos lições nos momentos menos esperados! Decidiu chamar-lhe Valente. A razão que encontrou para lhe dar este nome, não foi mero acaso. Mas, a mesma do pai, ao chamar-lhe valente. Ao saber que ele, a cadela tinha salvado da morte. O João perdeu a bicicleta, mas não foi em vão. Ganhou um novo amigo que testemunhou a sua fé naquelas horas de perigo. Esta sustentou-o de alento que lhe manteve o coração vivo. Doravante, juntos iriam, em romagem e alegria em busca de novas paisagens na encosta da Serra.
                                                         Raízes M/Peniche

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